Direto do mangue, o ecossistema mais rico e diversificado biologicamente falando, o Mundo Livre S/A, por meio do vocalista Fred 04 trocou uma idéia com a reportagem da Revista Ragga. A banda passou por BH para os shows de lançamento de seu mais recente trabalho, “O Bêbado groove Vol.1”, e para a apresentação do tributo a Franscisco de Assis França, o Chico Science, dentro do projeto Orquestra Manguefônica, onde se juntam no palco aos conterrâneos da Nação Zumbi.
Com surgimento registrado ainda na década de 80, o Mundo Livre S/A passou por uma reestruturação musical no início da década seguinte. Depois de uma paralisação de dois anos em virtude do roubo de todos os instrumentos da banda, veio a idéia da fusão dos ritmos que brotavam do Recife. O cenário musical, bem como a área cinematográfica, a moda e as artes plásticas caminhavam a duras penas na cidade. Fred 04, Chico Science e Jorge Du Peixe decidiram mesclar os diversos elementos folclóricos locais, afim de que Pernambuco entrasse para o circuito da música jovem contemporânea, que à exceção da Bahia, tem suas forças concentradas na região sudeste.
O “Mangue” surgiu não como um movimento, mas como uma cooperativa, onde as bandas se ajudavam. Enquanto uns tocavam, outros atuavam na produção, na bilheteria e nos trabalhos técnicos. Já em 1994 com o lançamento do primeiro disco do Mundo Livre S/A, “Samba Esquema Noise”, a primeira faixa do álbum, “Manguebit”, passou a ser relacionada com o que passava então a ser um movimento cultural, e logo esta passou a ser sua nomenclatura. Fred 04 ressalta ainda, que o nome “Manguebeat” só surgiu depois de uma dúvida de um repórter de um jornal carioca que ficou na dúvida quanto à grafia e rebatizou, sem querer, um dos movimentos de maior relevância na história da música brasileira.
Zeroquatro ressalta que o engajamento coletivo foi essencial para que o som produzido por esses artistas saíssem do gueto, para “transpor o âmbito limitado da garagem que marcou a primeira fase da banda”, ganhar projeção nacional e posteriormente reconhecimento no mercado internacional.
Quando o ideário do Mangue foi concebido por Science e Zeroquatro, o Mundo Livre já tinha cinco anos de existência, porém de forma amadora, ou de garagem, como o próprio Fred denomina. “Uma das coisas que marcaram o Manguebeat como um movimento de ruptura, era a metáfora da panela de caranguejo. A postura anterior lembrava a condição de um caldeirão, onde alguns são cozinhados e os que tentam sair pela tampa são puxados pra baixo. Esta é a imagem que se tinha anteriormente, como nos idos de Alceu Valença”, ao contrário do que acontecia na Bahia, onde tudo que era novo recebia um incentivo e se unia à correntes já existentes, fazendo do estado um “exportador de coisas legais”. Dentre elas Zeroquatro lembra do Tropicalismo, que alavancou os Novos Baianos, posteriormente a fase da Cor do Som, chegando até o Axé. “Lá em Recife era sempre o contrário, a postura era até então individualista”, explica Zeroquatro.
Junto com Science e Renato L., o ex-repórter televisivo Fred 04 escreveu “Caranguejos com Cérebro”, que foi visto por uns como um manifesto, mas que ele afirma ser uma espécie de release de apresentação para a imprensa do evento “Viagem ao Centro do Mangue” que acontecia em vários locais de Recife, envolvendo diversas bandas como CSNZ, Lamento Negro e várias outras expressões culturais, não necessariamente musicais. “A idéia nunca foi muito de manifesto, até porque o lance de movimento sempre pressupõe algo organizado, com hierarquia, com uma sonoridade padrão. Quando defendíamos na verdade a diversidade cultural”, justifica.
A fim de facilitar o acesso do público ao trabalho da banda, foi lançado um EP, que nada mais é que um compacto com, no caso sete músicas. “A gente vem vendendo o nosso último disco, ´O Bêbado Groove Vol.1´, só em shows por ser o primeiro produto do nosso próprio selo, o ´Ôia Records´. Optamos por lançar um formato alternativo para baratear o custo e o preço final, já que é quase impossível garantir que a distribuição em lojas deste produto tenha um preço honesto.” Propostas não faltam para a distribuição do disco, mas a banda sustenta a atual metodologia, mesmo sabendo que num futuro próximo, outras formas de comercialização alternativas terão de ser adotadas, como a eminente venda online através do novo site oficial que está prestes a entrar no ar.
* matéria originalmente publicada na revista Ragga, edição abril/maio de 2006
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